Peixe grande que canta e compõe, Oscar tem no seu percurso de artista muitas canções que falam sobre sua “casa” de água. O single “Maré Grande” é mais um trabalho com a força do mar, mas jogando com ele enquanto metáfora para tratar dos assuntos e seres da terra: nós, os homens e mulheres em festa, em chamas, principalmente estes que habitam um país conturbado e caótico. Trata-se de uma espécie de bilhete do mar ao jovem atormentado pelo mundo de hoje. Há um acolhimento (“vem meu bem”) e um conselho (“dorme esse país em festa em chamas / em dores essa cor que sangra”). Como sobreviver a uma realidade que sangra? O “mundo das palavras” o artista reconhece ser insuficiente para lidar com o presente, muito embora utilize a matéria verbal para se expressar. A “delicadeza” também é citada como estranha ao bélico mundo de hoje. Uma leitura apressada dessa mensagem vinda dos mares (e da lua lá fora) chamaria a letra de conformista ou melancólica, mas é preciso entender a potência inscrita no apontamento ao sonho (e não ao sono) que faz o eu lírico ao seu interlocutor. Como nas grandes narrativas e lendas — do mar ou da terra ou dos céus —, o sonho é o espaço de revelação, comunicação, criação. Há uma potência tanto psicológica quanto mística do sonho. A canção sugere o fechamento dos olhos porque assim se acessará a vasta imensidão do devaneio, do bom delírio que os sonhos oferecem. Sonho é oceano. O espaço onírico contém nossos mitos pessoais, as criaturas que nos assombram ou acolhem, os sons que nos amedrontam ou inspiram. O recado do Oscar (do mar) aponta para as coisas do sonho na medida em que elas são sempre resposta possível ao tempo que oprime: na arte, na lida com os fantasmas pessoais, no impulso para pensar um mundo melhor. Nas queimadas do real, preste atenção no que o oceano do sonho tem a oferecer. O sonho aqui vem carregado de múltiplos sentidos: o bilhete é misterioso e cabe ao jovem o trabalho de decifrá-lo.
O convite sonoro de Oscar Arruda conta com uma elaboração sofisticada de arranjos e batidas (trabalho fenomenal de Felipe Lima, também no baixo, teclado e sintetizadores) que sinalizam para o fervor das mentes em sonho — como que nos lembrando que é hora do mar interno estar agitado. A voz e a guitarra distorcida, pelo próprio Oscar, carregam o tesão hipnótico de uma proposta irrecusável. Some-se a isso o backing vocal fantasmático e delirante do filho de Oscar, Leo Arruda, e a bateria bem pontuada de Rami Freitas. Klaus Sena na competente masterização e Gustavo Diógenes na belíssima arte da capa completam o cardume.